quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Despertar Angolano
É na frescura do cacimbo que se dão os primeiros passos numa nova manhã na capital angolana. O cheiro do mar, o calor característico dos trópicos, a distinta luz daquele Sol tão único, tão sinónimo dos países africanos, parecem ser sinais de um paraíso que me espera mal saia de casa. Mas esse Paraíso não existe, a realidade é bem diferente.
Logo que meto os pés na rua, parece que acordei para um pesadelo que me envolve. A cidade já acordada reflecte ainda os vestígios de uma desorganização, fruto do imenso período de guerra civil. Para as Zungueiras, mulheres que deambulam pela cidade tentando “vender o seu peixe”, o dia começou há muito. Levam consigo as suas criancinhas às costas, na cabeça vai a mercadoria, quanto ao coração, bem, esse só leva a esperança de poder sobreviver a mais um dia nessa metrópole que é moeda de dupla face. E as crianças esfarrapadas que encontro no meu caminho, quem são? Onde estão os seus pais? Coitadas, brincam à beira estrada correndo atrás de rodas de latas, como se não tivessem preocupação, esquecendo-se que foram esquecidas pelo País. Este é o bairro suburbano que me cumprimenta pela manhã. Ainda mal acordei. Na estrada que me leva ao centro de Luanda intensifica-se a minha revolta ao deparar-me com um imenso musseke, onde as casas não são mais do que blocos de cimento organizados e protegidos por um suposto tecto de chapa, preso por calhaus para que não voe ao sabor do vento. Junto às casas encontram-se entulhos, lixo e mais lixo, e mais lixo ainda, e valetas, e enormes poças de águas paradas, tão propícias à malária ou paludismo, como bem entenderem, que é a enfermidade mais notória no país. Esta é a Angola injusta que eu conheço e tão bem merece a distinção de 5º país com maior fosso social entre ricos e pobres, um país com uma larga percentagem da população a viver com menos de 450 dólares por mês. Quem aqui nasce e nestas condições, dificilmente ultrapassará a barreira dos 46.5 anos de idade (esperança média de vida). São estas e muitas mais as questões que me envolvem durante as duas horas de viagem que faço para percorrer não mais do que 30km. No centro da cidade deparo-me com uma Luanda completamente diferente; um canteiro em obras, como alguns já a ousaram chamar. No meio destas grandes construções está uma oportunidade para muitos imigrantes alcançarem uma vida melhor, ou pelo menos, escapar a algo bem pior. Chineses, brasileiros ou até mesmo portugueses procuram em Angola uma nova oportunidade de vida, uns sujeitando-se a mais sacrifícios do que outros, explorando uns, explorados outros. Um ciclo vicioso onde a exploração já vem bem de trás. Assim é o gigante africano que despertou para o mundo, menos para si próprio. Um país que não é nem de perto nem de longe um mar de rosas, e vermelha é somente a cor da terra que é pisada diariamente. Um inferno quotidiano principalmente para os milhões de excluídos e excluídas sociais: mutilados, invisuais, meninos de rua, todos eles subjugados aos interesses de uma minoria que detém a maior parte da riqueza nacional.
Por vezes gostava de que tudo isto fosse um pesadelo, que tivesse um fim e pudesse acordar. Mas quando durmo e desperto, acordo para a verdadeira realidade que é o próprio pesadelo. Tudo isto corrói-me por dentro, tudo isto é falta de escrúpulos, nada é humano, tudo é selvagem.
Tomara amanhã despertar numa outra dimensão.
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questiono-me tanta vez como é que a crueldade humana atinge estas proporçoes. tu escreves tão bem!
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